O que uma marca como Hermès jamais faria com o próprio nome
Uma carta sobre o ruído simbólico que nasce quando o discurso não encontra corpo.
Há lugares que não frustram — apenas confundem.
Você chega acreditando que vai encontrar um tipo de experiência… e encontra outra.
Não pior. Não melhor. Apenas desalinhada.
Foi o que aconteceu há alguns dias, quando saí com minha prima para conhecer um restaurante que vínhamos observando há semanas pelas redes sociais.
Pelas redes, ele se apresentava como um bistrô.
E sempre apresentado em vídeos com fogueiras acesas, um cardápio artesanal, iluminação quente.
Tudo parecia prometer aquele tipo de noite em que o tempo desacelera.
Chegamos prontas para isso: para o pequeno ritual da pausa.
Mas o que encontramos foi outro universo.
As mesas ficavam em uma calçada à beira de uma praça movimentada, onde adolescentes passavam de skate e crianças de patins.
O barulho da rua, o movimento ininterrupto de carros e motos, a informalidade dos detalhes.
Ali, não havia bistrô.
Havia o que chamamos em Goiás de pit dog — trailers de lanche que surgiram nos anos 70 e se tornaram parte essencial da cultura urbana local.
Eles carregam uma informalidade charmosa, mas são o oposto do que a palavra “bistrô” costuma evocar.

E foi esse desencontro que me atravessou.
Não a comida — que era excelente.
Mas o desalinhamento entre nome e experiência.
Entre palavra escolhida e universo prometido.
Nomear é mais do que batizar.
É cravar uma expectativa emocional no imaginário de quem chega.
É indicar um norte sensorial, afetivo, narrativo.
Afinal, uma marca não começa com o produto — ela começa com a imagem que desperta.
E toda imagem nasce de um gesto, de um ritmo, de um corpo.
A imaginação é sempre ancorada no corpo.
Mesmo ao pensar, imaginamos.
Aristóteles dizia: até o pensamento mais elevado precisa de imagens — phántasmata.
Por isso, um nome, quando bem escolhido, não informa — ele evoca.
Ele não serve à lógica. Ele serve ao desejo.
E desejo exige substância.
Quando alguém nomeia seu negócio de “bistrô”, está assumindo um lugar simbólico.
Não é apenas sobre gastronomia — é sobre tempo.
Sobre presença. Sobre ambiência. Sobre o modo como se deseja ser sentido.
Escolher um nome é traçar uma linha entre intenção e entrega.
E cruzar essa linha exige responsabilidade simbólica.
Porque quando o nome e a experiência não se tocam, cria-se um vazio.
Uma fricção sutil.
Não o tipo de decepção que gera crítica — mas o tipo que silencia o encantamento.
No meu trabalho com branding, parto sempre de uma verdade simples: não há como sustentar o que não se é.
O nome precisa nascer de dentro, não do desejo de agradar.
Porque o branding não é sobre parecer algo. É sobre organizar fragmentos dispersos da identidade em uma narrativa viva, coerente, sensorial.
A marca revela sua verdade no gesto.
Na luz.
Na textura.
No silêncio entre uma palavra e outra.
É por isso que cada nome traz consigo uma promessa invisível: Uma marca que se chama “atelier” evoca curadoria, processo manual, cuidado no detalhe.
Uma que se intitula “sala” promete acolhimento, presença, escuta.
Uma que escolhe “bistrô” carrega consigo a responsabilidade de oferecer intimidade com tempo.
E se não há nada disso na vivência — o nome vira ruído.
Vira adorno.
Vira promessa oca.
É como se fosse apenas tinta no papel — sem território que a sustente.
Uma marca que se chama “Hermès”, por exemplo, não carrega só um nome francês bonito.
Carrega mitologia, precisão artesanal.
Carrega o peso do tempo — e a leveza de saber exatamente quem é.
Se um dia ela tratasse seu atendimento como algo apressado, ou suas embalagens como descartáveis, não seria mais a Hermès — seria apenas uma loja com um nome sofisticado.
E isso é fatal para qualquer construção simbólica: o nome promete. Mas o gesto revela.
Por isso, eu te pergunto:
A sua marca carrega um nome porque soa bem… ou porque abre caminho para uma vivência real?
Ela está apenas nomeando… ou está verdadeiramente encarnando o universo que esse nome promete?
Esta foi uma B. Letter para marcas que compreendem que nomear não é estética —
é essência traduzida.
É gesto fundador.
Porque nomear é desenhar expectativa.
Mas tornar esse nome habitável — isso sim é construção de marca.
Com verdade e direção,
B.
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