Por que a Heineken não rebatizou um pub centenário e o branding escondido nisso
Uma carta sobre memória, símbolo e a coragem de sustentar o que já carrega verdade.
Entre slogans que gritam e campanhas que prometem reinvenções diárias, às vezes é um gesto sutil que me atravessa.
Como se, no meio da pressa das marcas em parecerem novas, uma lembrança delicada surgisse — lembrando que, às vezes, o verdadeiro valor está em continuar.
Foi assim que me encontrei diante de uma história.
Não uma história épica, nem uma história viral.
Mas uma história contada com reverência.
Na costa oeste da Irlanda, cercado por ventos salinos e pela lentidão das vilas à beira-mar, existe um pub de 155 anos.
O McLoughlin’s Bar.
Um desses lugares onde o tempo não se exibe — apenas existe.

O mesmo balcão de madeira escura, marcado por cotovelos e confissões.
As mesmas canecas grossas, já gastas pelas mãos de quem voltou mais de uma vez.
As paredes carregadas de ecos, e um letreiro que parecia resistir até ao vento atlântico.
Quatro gerações da mesma família cuidaram daquele espaço.
Mas agora, com a aposentadoria do último guardião — e sem herdeiros diretos à vista — tudo parecia prestes a repousar em silêncio.
E então, veio o gesto.
A Heineken, fornecedora do pub há décadas, que poderia muito bem transformar aquela despedida em mais uma campanha bonita sobre ciclos, escolheu fazer algo raro:
Não reinventou.
Não substituiu.
Sustentou.
Ao invés de apagar o nome, lançou um chamado.
Um convite à continuidade.
Em vez de rebatizar o pub, procuraram alguém com o mesmo sobrenome — McLoughlin — disposto a assumir o bar, não como projeto, mas como herança.
Não foi uma jogada de branding performático.
Foi um ato simbólico.
Um movimento que compreende que há marcas que se criam — e há marcas que se preservam.
E talvez, nesse gesto silencioso, esteja uma das decisões de branding mais sofisticadas dos últimos tempos.
Porque não foi sobre novidade.
Foi sobre escuta.
Sobre reconhecer que certas histórias não precisam de plot twist — só precisam de fôlego para continuar sendo o que são.
Enquanto o mercado gira obsessivamente em torno do novo, a Heineken fez o contrário: lembrou.
E lembrar, hoje, talvez seja o ato mais revolucionário de todos.
Em um tempo em que se aplaude quem começa, é raro ver valor em quem sustenta.
O feed da vida pede movimento.
Mas o pertencimento pede raiz.
E marcas que realmente marcam não são as que surgem em todo canto.
São as que resistem — não por teimosia, mas por significado.
O branding contemporâneo precisa resgatar esse papel de guardião do que importa, e não apenas arquiteto do que encanta.
Nem toda marca precisa criar um mundo novo.
Às vezes, ela só precisa reconhecer o valor do mundo que já existe.
No meu trabalho, sempre acreditei que branding não é a arte de começar do zero.
É a arte de escutar o que já pulsa — e dar forma a isso com intenção.
Não é sobre inovar por obrigação.
É sobre sustentar o que carrega alma.
É por isso que, para mim, uma marca nunca deveria se comportar como um palco.
Mas como um lugar.
Um lugar onde outros se enxergam, onde histórias se encontram, onde um nome escrito numa fachada se torna parte da identidade de quem passa.
Esse é o branding que não precisa explicar o que faz.
Porque ele marca.
Com cheiro, textura, presença.
Com memória.
E foi essa sensação que ficou comigo:
Quando o bar fecha, a espuma some, e os copos repousam... o que permanece?
Fica o nome.
Fica a madeira antiga que sustentou conversas e silêncios.
Fica o gesto de alguém que não quis começar, mas sim continuar.
Fica o símbolo.
E então eu te pergunto:
A sua marca será lembrada pelo que sustentou — ou esquecida por tentar, o tempo todo, parecer o que não era?
Com reverência e intenção,
B.
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