O que um jornal vendido para forrar xixi de cachorro ensina sobre marcas em colapso simbólico
Uma carta sobre valor, pertencimento e o fim silencioso de marcas que esqueceram o que representam.
Outro dia, entre um café e um compromisso, passei por uma banca de jornal.
Uma daquelas que seguem firmes, quase como um gesto de resistência — carregando um pouco de melancolia e muito da dignidade de quem, dia após dia, abre a porta e mantém aceso um hábito que já não move multidões, mas ainda guarda sentido para alguns.
Ali, entre revistas encalhadas e manchetes do mês passado, um aviso me parou:
“Vende-se jornais para xixi de cachorro.”

Não era ironia.
Era adaptação.
Era sobrevivência — nua, simples, necessária.
Fiquei ali por alguns segundos.
Na vitrine, a pilha de exemplares amassados.
No fundo da garganta, uma sensação estranha.
E no pensamento, uma pergunta que não me largou desde então.
Porque naquele aviso singelo — e involuntariamente simbólico — algo se revelou.
Não sobre o jornal em si.
Mas sobre o que acontece com tudo aquilo que um dia foi símbolo… e deixou de ser.
Foi aí que tudo ressoou dentro de mim:
O que acontece quando uma marca ainda existe — mas já não significa nada?
Durante muito tempo, o jornal foi mais do que um veículo de notícias.
Ele era um gesto.
Um posicionamento silencioso.
Uma extensão do próprio eu.
O homem que atravessava a rua com o jornal dobrado sob o braço.
A mulher que o abria no café como quem organiza o mundo.
O pai, o avô, a figura que acompanhava a rotina lendo a coluna favorita.
Em Paris, Nova York ou São Paulo — isso falava. Isso comunicava.
No Brasil, um Estadão aberto sobre a mesa era sinônimo de opinião respeitável.
Na Europa, o Le Monde conferia ao seu leitor um certo ar de mundo.
O Financial Times, dobrado no meio, era quase uma extensão do próprio terno executivo.
O jornal não era só o conteúdo. Era o código.
Mas símbolos, quando não são cuidados, morrem em silêncio.
E quando deixam de ser símbolo — viram volume. Viram papel. Viram peso.

E você deve estar se perguntando… por que falar disso em pleno 2025?
Porque nos últimos tempos tenho observado algo sutil — mas recorrente: marcas que continuam no ar, mas já não estão no afeto.
Marcas que seguem sendo vistas — mas não são mais sentidas.
Marcas que se repetem… mas não reverberam.
A morte do jornal impresso não foi sobre tecnologia.
Foi sobre significância.
Os impressos não perderam apenas espaço.
Perderam lugar no imaginário coletivo.
E esse é o verdadeiro colapso de uma marca: quando ela ainda existe — mas já não emociona.
Aquela banca vendendo jornal como forro não me entristeceu apenas pelo que mostra. Mas pelo que simboliza.
Porque no fim, o valor de uma marca nunca está só no que ela oferece — mas no que ela representa.
No espaço que ela ocupa na nossa vida simbólica.
No desejo silencioso que ela ativa.
No elo invisível que ela sustenta.
E nenhuma marca está imune à erosão simbólica. Nenhuma.
Veja só:
A Victoria’s Secret, por décadas o ideal do feminino desejável, hoje tenta reconstruir discurso.
A Kodak, guardiã das memórias, deixou escapar o presente.
A Blockbuster, com toda sua estrutura, não percebeu que o novo símbolo da praticidade já não tinha prateleiras — só login.
Essas marcas não colapsaram por falta de qualidade.
Mas por excesso de certeza.

Por outro lado, pense em marcas que ainda vibram.
A Apple não vende celulares.
Ela vende visão. Futuro no bolso.
É presença sensível. Minimalista. Cultural.
A Nike não vende tênis.
Ela vende possibilidade. Superação. História em movimento.
Ela cria palco para que o consumidor se veja como protagonista.
Elas entenderam que o produto é só a ponta.
O que conta — o que gruda — é o que pulsa.
E é aqui que minha reflexão se ancora.
Sua marca está presente — ou está pulsando?
Ela está sendo lembrada — ou apenas sendo tolerada?
Porque, no fim, o branding não é só sobre posicionar.
É sobre permanecer.
É sobre fazer sentido agora — e ainda fazer sentido depois.
O jornal impresso não perdeu relevância apenas por causa da velocidade digital.
Ele perdeu porque parou de construir simbologia.
Parou de se reinventar como gesto.
Parou de imaginar o futuro — e apostou no ontem.
E essa é a armadilha mais elegante que o branding pode oferecer: confundir tradição com permanência.
O branding, no fundo, é uma arquitetura invisível.
É como alguém se sente ao entrar no universo da sua marca — mesmo que não compre nada.
É o que ecoa — quando a campanha já passou.
É o que permanece — quando tudo muda.
E então, eu te pergunto:
A sua marca está aqui por resistência — ou porque ainda representa algo maior?
Com intenção,
B.
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