O gesto que virou identidade
Às vezes, a verdade de uma marca está inteira no que se repete todos os dias.
Volta e meia, algumas imagens me atravessam mais do que palavras.
E dias atrás, enquanto eu deslizava pelo TikTok entre cafés, insights e ideias soltas, me deparei com uma padaria de Quebec (Canadá) que me fez parar.
Não por causa do pão (embora o pão fosse lindamente artesanal).
Mas pela maneira como eles escolheram contar sua história — sem precisar dizer nada.
Eles pegaram um dos próprios pães, pintaram-no de preto e o pressionaram contra o papel.
O resultado foi um padrão visual orgânico, quase hipnótico.
E essa impressão — literal e simbólica — se tornou o pattern da identidade visual da marca.
A textura da massa virou ilustração.
A forma do pão virou linguagem.
E o traço, único, virou assinatura.
Mais do que estética, o que fizeram foi transformar o próprio ofício em símbolo.
A sacola com o padrão do pão.
A vitrine com os mesmos traços.
E uma logo nascida do gesto de cortar — uma rosa que representa o movimento da lâmina que finaliza a massa antes do forno.
Foi ali, entre farinha e papel, que me veio a certeza: eles não criaram uma marca.
Eles revelaram uma identidade que já estava ali o tempo todo.
É por isso que essa edição nasce.
Porque cada vez mais vejo marcas tentando se construir a partir do que falta,
quando talvez o caminho esteja em reconhecer o que já existe.
Identidade não é algo que você inventa para parecer mais forte.
É algo que você escuta, traduz, sustenta — com presença e intenção.
E quando penso nisso, volto para o pão.
Ele é, por si só, uma metáfora perfeita para o branding.
O pão precisa de tempo.
De fermento e espera.
De umidade, calor, silêncio.
Ele cresce por dentro antes de ganhar forma por fora.
Tem memória, cheiro, crosta e centro.
Tem camadas. Ritual. Verdade.
E não importa o quão sofisticado o forno seja, se o processo for apressado — ele não vai marcar ninguém.
Marcas também são assim.
Não se fazem com pressa.
Se fazem com intenção.
E como o pão, já nascem com sua impressão.
Só precisam de alguém que tenha coragem de vê-la.
O gesto mais simples — o corte da lâmina — se tornou símbolo da Rose Bounlagerie.
Uma rosa de quatro pontas, como uma bússola que aponta para o essencial.
E eu me pergunto:
Em tempos onde todo mundo quer criar o novo, será que a beleza não está em reconhecer o que se repete com sentido?
Talvez o corte diário, o hábito silencioso, o ofício manual, tenham mais valor de marca do que qualquer tagline genial.
Porque identidade não é sobre o que se mostra.
É sobre o que permanece, mesmo no gesto mais simples.
Essa padaria não tentou parecer uma marca.
Ela foi pão até o fim.
E por isso, virou marca com alma.
Não buscou palavras para dizer o que era.
Fez do próprio gesto a sua comunicação.
E talvez seja isso o que tantas marcas ainda não entenderam: que a identidade não nasce quando se decide parecer, mas quando se tem coragem de se mostrar.
E é isso que também sustenta minha própria metodologia: um branding que não se cria — se revela.
Porque toda marca verdadeira já carrega o que precisa para tocar.
Ela só precisa ser lida com outros olhos.
Talvez a sua marca também esteja em busca de um novo discurso… quando o que ela mais precisa é olhar para o que já repete todos os dias.
Porque às vezes, a alma da marca está inteira ali.
Só esperando ser sentida.
Esta foi uma B. Letter para quem entende que branding não se inventa.
Se escuta. Se traduz. Se revela.
Com afeto e direção,
B.
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