A marca que ela criou ao se recusar a caber e o legado que só o excesso sustenta
Uma carta para marcas que escondem sua força tentando parecer certas, quando o verdadeiro impacto está em sustentar o que só elas podem ser.
A edição de hoje é sobre um tipo de branding que não se explica, se encarna. Que não nasce de fórmulas, mas de fraturas. Que se constrói no gesto espontâneo, no tropeço sustentado, no excesso que não se desculpa.
É o tipo de marca que não tenta parecer certa, tenta apenas ser.
E, por isso mesmo, alcança algo mais raro: permanecer.
Mas para te contar o que observo sobre esse tipo de presença, preciso te apresentar uma mulher.
Caso você ainda não a conheça — e espero que esta carta te convença a conhecê-la profundamente —, Lucille Ball foi atriz, comediante, produtora, empresária.
Mas nenhuma dessas palavras dá conta do que ela verdadeiramente foi: uma linguagem inteira. Um arquétipo vivo. Um acontecimento.
Na década de 1950, quando o mundo esperava contenção e delicadeza, ela tropeçava com exuberância, e fazia do exagero seu manifesto. Com um timing cômico absoluto e uma visão de negócios que enxergava décadas adiante, Lucille não apenas protagonizou uma das séries mais amadas da história, ela reescreveu os bastidores do que viria a ser a televisão como indústria.
E, no caminho, nos deixou uma aula de branding disfarçada de comédia.
Antes de se tornar ícone, Lucille foi uma improbabilidade.
Em uma indústria que exigia contenção, perfeição estética e compostura emocional das mulheres, ela ria alto, se atirava no chão, borrava a maquiagem. Aceitava a torta na cara como quem entende o valor de sustentar o improvável.
Ela não temia o ridículo. Temia a irrelevância.
E foi justamente por isso que se tornou inesquecível.
Para muitos, I Love Lucy é apenas um sitcom nostálgico.
Para mim, é uma coreografia de coragem criativa, uma aula sobre ocupar o mundo sem pedir licença. Sobre transformar o erro em ícone. E o exagero, em assinatura.
Esta carta nasce do ponto exato onde o branding encontra sua forma mais pura:
o momento em que alguém decide sustentar sua própria verdade, mesmo quando ela desafia todas as expectativas.
Lucille Ball não apenas revolucionou a TV, ela reinventou a forma como uma marca pode existir diante do olhar público.
Enquanto muitas atrizes buscavam papéis onde poderiam parecer perfeitas, Lucille aceitava aqueles que lhe permitiam experimentar os limites. Se era para parecer absurda, ela se entregava ao absurdo com grandeza.
E aqui entra a primeira grande lição de marca: Toda identidade potente começa onde termina o medo de parecer demais.
Lucille era demais. Demasiadamente expressiva. Demasiadamente física. Demasiadamente ousada para o que se esperava de uma estrela da época. Mas foi nesse “demais” — sustentado com consistência — que nasceu sua autoridade simbólica.
Foi pioneira ao gravar com múltiplas câmeras, ao filmar em película para garantir qualidade duradoura, ao fundar o próprio estúdio e assinar decisões executivas em uma época em que mulheres sequer podiam assinar contratos sem autorização dos maridos.
Lucille transcendia o papel de artista: pensava como estrategista, agia como arquiteta de linguagem. Uma mulher que entendeu, muito antes da teoria, que uma marca não se faz apenas com visibilidade, mas com visão.
E aqui começa o segundo ponto-chave:
Marcas que querem ser levadas a sério precisam, antes de tudo, levar a sério a própria visão, mesmo que ninguém a compreenda no início.
Lucille não pediu permissão.
Ela ocupou um território simbólico que ainda não tinha nome, e ao fazer isso, expandiu os limites do que era possível para todas as que vieram depois.
Essa talvez seja a maior lição de branding que o entretenimento já nos ofereceu: não pelo que ela dizia, mas pelo que sustentava. Ela não repetia fórmulas, ela inaugurava linguagem. E é isso que diferencia uma marca funcional de uma marca lendária.
No meu trabalho, costumo dizer que toda marca precisa escolher: ser reconhecida… ou ser reverberada.
A primeira se contenta com aplauso.
A segunda deixa impressão.
A primeira vive de campanhas.
A segunda, de coerência.
Lucille Ball desestruturava padrões com uma ousadia que era, ao mesmo tempo, técnica e emocional. E é por isso que, ainda hoje, seu nome é sinônimo de riso genuíno, de entrega sem reservas, de uma mulher que não apenas brilhou, ela acendeu outros.
Ela é a prova de que não existe branding verdadeiro sem identidade encarnada.
Que o erro pode ser linguagem. Que a queda pode ser estética. E que a ousadia, bem dirigida, é sempre parte do plano.
Essa carta é para marcas que ainda tentam parecer corretas, quando o que o mundo realmente deseja é aquilo que só elas podem ser com todas as suas particularidades, imperfeições e verdades encarnadas.
Porque uma marca que se encaixa… ganha espaço.
Mas uma marca que se revela… ganha tempo. Ela atravessa gerações.
Lucille Ball foi imperfeita, visceral, imensa.
E por isso mesmo indelével.
Branding de verdade não se aprende em livro.
Se revela no risco de existir por inteiro.
Porque não são as marcas perfeitas que fazem história. São as que se mostram sem medo. E, por isso mesmo, tornam-se impossíveis de esquecer.
Que a coragem de ser quem se é, seja sempre sua maior estratégia.
Com apreço,
B.
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